QUE HORAS SÃO, MÃE?
Como a noite é longa...Toda a noite é assim.Senta-te, ama, perto do leito onde espertoVem para ao pé de mim.Amei tanta coisa, hoje nada existe.Aqui ao pé da camaCanta-me, minha ama, uma canção triste.Era uma princesa que amou, já não sei...Como estou esquecido.Canta-me ao ouvido e adormecerei.Que é feito de tudo?Que fiz eu de mim?Deixem-me dormir,Dormir a sorrirE seja isto o fim.Fernando Pessoa
Vai buscar, ó Vento, a minha Mãe. Leva-me na noite para a casa que não conheci... Torna a dar-me, ó Silêncio imenso, a minha ama e o meu berço e a minha canção com que eu dormia...
Bernardo Soares
Estou doente. Meus pensamentos começam a estar confusos.
Mas o meu corpo, tocando nas coisas, entra nelas.
Sinto-me parte das coisas com o tacto
E uma grande libertação começa a fazer-se em mim...
Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma.
Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente...
É talvez o último dia da minha vida.
Saudei o sol, levantando a mão direita,
Mas não o saudei, dizendo-lhe adeus.
Fiz sinal de gostar de o ver ainda, mais nada.
Alberto Caeiro
Tão cedo passa tudo quanto passa!
Morre tão jovem ante os deuses quanto
Morre! Tudo é tão pouco!
Nada se sabe, tudo se imagina.
Circunda-te de rosas, ama, bebe
E cala. O mais é nada.
Não tenhas nada nas mãos
Nem uma memória na lama,
Que quando te puserem
Nas mãos o óbulo último,
Ao abrirem-te as mãos
Nada te cairá...
Que serás quando fores
Na noite e ao fim da estrada?
Colhe as flores mas larga-as...
Senta-te ao sol. Abdica
E sê rei de ti próprio.
Ricardo Reis
Não tenho medo, ó Morte...
Estendo os braços para ti como uma criança
Do colo da ama para o aparecimento da mãe...
Por ti deixo contente os meus brinquedos de adulto.
Por ti não tenho parentes, não tenho nada que me prenda
A este prodigioso, constante e doentio universo.
Não há abismos!
Nada é sinistro!
Não há mistério verdadeiro!
Tu, tu mestre Caeiro, tu é que tinhas razão!
Mas ainda não viste tudo: tudo é mais ainda!
Alegre cantaste a alegria de tudo...
Seja com alegria que eu reconheça que a Morte
Vem como um sol distante na antemanhã do meu novo ser.
Acolhei-a, ao chegar,
A ela, à Morte, a esse erro de vista,
Acolhei-a sem medo,
... Acolhe o viajante que há-de chegar no comboio de Além.
Acolhei-a contentes,
Gritai às alturas,
... Que a morte não tem importância nenhuma.
Que a morte é um disparate,
E que se tudo isto é um sonho, é a morte um sonho também.
Ah, estou liberto!
Ah, quebrei todas
As algemas do pensamento.
Eu o próprio abismo que sonhei.
Eu, que via em tudo caminhos e atalhos de sombra
E a sombra e os caminhos e os atalhos eram eu!
Ah, estou liberto...
Mestre Caeiro, voltei à tua casa do monte
E vi o mesmo que vias, mas com meus olhos,
Verdadeiramente com meus olhos.
Verdadeiramente verdadeiros...
Ah, vi que não há morte alguma!
Álvaro de Campos