terça-feira, 14 de julho de 2009

DIA DA ESCOLA - UMA ÁRVORE II



Diana (10º C) diz Miguel Torga

ROMANCE

Ora pois: foi tal qual como vos digo:
Minha Mãe, certo dia, pôs a questão assim:
- Ou Ela, ou eu!
E ficou resolvido que no dia doze
Minha Mãe parisse,
E pariu!

Pariu e ninguém se opôs! Ninguém!
Como se fosse um feito glorioso
Parir assim alguém, tão nu, tão desgraçado!
Por mim,
Ainda disse que não.
Mas o seu Anjo da Guarda
Era forte e tenebroso...
E aquele frágil cordão
Deixou de ser o meu Pão,
O meu Vinho
E a paz eterna do meu coração
Mesquinho.

Deixou de ser o silêncio
Delicado e agradecido
Dos meus instintos menores...
Deixou de ser o Norte daquele lago
Onde boiava o meu corpo
Sem alegria e sem dores.

Deixou de ser aquela verdadeira
E sagrada ignorância do meu nome,
Que Satanás me disse, quando disse:
- Respira e come,
Respira e come,
Animal!
(A voz de Satanás já nesse tempo
Era humana e natural...)

Deixou de ser um mundo e foi um outro.
Foi a inocência perdida
E a minha voz acordada...
Foi a fome, a peste e a guerra.
Foi a terra
Sem mais nada.

Depois,
Sem dó nem piedade a vida começou...
Minha Mãe, a tremer, analisou-me o sexo,
E, ao ver que eu era homem,
Corou...

Miguel Torga



Luís (11ºC) diz Mario H. Leiria



O SABOR DA SALIVA

(Dito pelo autor)


Os olhos dela,
Já os conheço de cor,
Desenhei-os no caderno e mostrei-lhos.
Pedi-lhe que me deixasse
Olhar para ela durante um quarto de hora.


Um mísero quarto de hora,
Tudo o que lhe pedi,
Para contemplar as duas grandes esferas
Brilhantes, incandescentes,
Ecrãs de cinema-espectáculo,
De magia e caramelo.


Em frente ao mar dos segredos
Contados em silêncio,
Deixei que o meu braço a recolhesse
No conforto do meu corpo,
Deixei que os nossos seios se encostassem,
Se fundissem numa rocha humana,
Onde as gaivotas pudessem pousar.


Pousei a mão no seu coração,
Rocei o cabelo na pele refrescada
Pelo vento do Inverno, aquecida
Pelo conforto efémero do contacto
Entre o meu corpo e o seu desejo.
Foi quando lhe pedi um beijo,
Que ela ergueu o rosto corado
E me perguntou «porquê?»


«Conheço os teus olhos de cor,
O perfume do ar que expiras,
O bater do teu coração
Lá, onde aterrou a minha mão,
Agora, quero o teu beijo,
Porque nunca, nesta curta vida,
Eu conheci o sabor da saliva.
Não sei se são morangos
Que coram a tua língua,
Sei que tem a cor do amor


E eu quero fazê-lo com ela,
Deixar que ela se enrole,
Que me prove, que me explore,
Que me sugue e que decore
Todos os caminhos da minha garganta
(Vão ter ao coração).»
Sem que o azul
Duvidoso do céu a cegasse,
Os seus olhos,
Que eu conheço de cor, desviaram-se,
Olharam um horizonte desconhecido
E disseram-me ao ouvido:
«Então, queres fazer amor comigo?»

«E tu, queres levar-me a passear
Pela longa avenida,
Percorrer-me como o mar,
Deixar que as nossas línguas sejam peixes,
Dar-lhes vida,
Deixar-me conhecer
O sabor da saliva?»

Sem que a sua voz se ouvisse,
Mergulhámos ao mesmo tempo,
E quando viemos à superfície,
Éramos donos da vida,
Por um momento.

Carlos Ramalhão


Inês (11ºC) diz E. de Andrade

ADEUS

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.
Eugénio de Andrade
Tomás (8ºC) diz Eugénio de A.
AS PALAVRAS

São como um cristal,
as palavras.
Algumas um punhal,
um incêndio.
Outras, orvalho apenas.

Mas havia uma palavra...
Uma palavra no escuro.
Minúscula. Ignorada.

Algumas palavras
secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Mas aquela palavra
martelava no escuro.
Martelava no chão da água.
Do fundo do tempo,
martelava, contra o muro.

Outras palavras
desamparadas, inocentes, leves.
Tecidas são de luz e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.
Mas aquela era uma palavra no escuro...
Uma palavra que me chamava.

... procurei-lhe uma sílaba.
É pouca coisa, é certo: uma vogal,
uma consoante, quase nada.
Mas faz-me falta. Só eu sei
a falta que me faz.
Por isso a procurava (...)
Só ela me podia defender
do frio de Janeiro (...)
Uma sílaba.
Uma única sílaba.
A salvação.

Eugénio de Andrade, textos adaptados



Tânia (11ºC) diz Sophia de M. B.

AS PESSOAS SENSÍVEIS

As pessoas sensíveis não são capazes
De matar galinhas
Porém são capazes
De comer galinhas

O dinheiro cheira a pobre e cheira
À roupa do seu corpo
Aquela roupa
Que depois da chuva secou sobre o seu corpo
Porque não tinham outra
O dinheiro cheira a pobre e cheira
A roupa
Que depois do suor não foi lavada
Porque não tinham outra

«Ganharás o pão com o suor do teu rosto»
Assim nos foi imposto
E não:
«Com o suor dos outros ganharás o pão»

Ó vendilhões do templo
Ó construtores
Das grandes estátuas balofas e pesadas
Ó cheios de devoção e de proveito
Perdoai-lhes Senhor
Porque eles sabem o que fazem

Sophia de Mello Breyner



Inês (11ºC) diz Sophia de M. B.
Susana (11ºC) diz Sophia de M. B.

LIBERDADE (excerto) - O POEMA - INSCRIÇÃO

O poema é a liberdade
Sílaba por sílaba o poema emerge
Como se os deuses o dessem
O fazemos

O poema me levará no tempo
Quando eu já não for eu

E passarei sozinha
Entre as mãos de quem lê

O poema alguém o dirá
Às searas

Sua passagem se confundirá
Com o rumor do mar com o passar do vento

O poema habitará
O espaço mais concreto e mais atento

No ar claro nas tardes transparentes
Suas sílabas redondas

(Ó antigas ó longas
Eternas tardes lisas)

Mesmo que eu morra o poema encontrará
Uma praia onde quebrar suas ondas

E entre quatro paredes densas
De funda e devorada solidão
Alguém seu próprio ser confundirá
Com o poema no tempo

Quando eu morrer voltarei para buscar
Os instantes que não vivi junto do mar

Sophia de Mello Breyner












Acompanhamento musical:
Tiago (10º C) - Guitarra Portuguesa
Sara (11º C) - Piano

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